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O desencontro com a Vila Reencontro

Por meio da Lei nº 17.819, de 29 de junho de 2022, a Prefeitura de São Paulo criou o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional no Município, instituiu o Auxílio Reencontro, criou o Fundo de Abastecimento Alimentar de São Paulo e a Vila Reencontro. Esta última, por sinal, gerou muita polêmica entre os moradores da região (bairro Bom Retiro).


Imagem: reprodução/Folha de São Paulo


A princípio, necessário salientar que nos termos do art. 9º da referida Lei , a Vila Reencontro trata-se de uma Política Pública concernente ao conjunto de moradias sociais, promovidas pelo Poder Público, para acolhimento transitório com a promoção de ação intersetorial e integrada das políticas municipais direcionadas à população em situação de rua, especialmente no que se refere à assistência e desenvolvimento social, direitos humanos e cidadania, saúde, habitação, trabalho e renda, educação, regulação do uso e ocupação dos espaços públicos, segurança alimentar e nutricional e cultura.


O intuito da criação da Vila, segundo a Prefeitura, é impactar rapidamente a população em situação de rua, começando pelos mais vulneráveis, ou seja, na primeira etapa serão implantadas 1200 vagas para prioritariamente serem preenchidas por famílias com crianças e idosos em situação de rua há menos de 2 (dois) anos.


A ideia é que as moradias sejam transitórias, de 12 a 18 meses, para que essas pessoas possam se recolocar no mercado de trabalho e posteriormente estarem aptas a se mudarem para outro local, disponibilizando a vaga para outras pessoas em situações de rua.


Além disso, é prevista também a implantação de equipamentos de saúde, assistência social e centros de educação, tudo isso para de fato amparar e proporcionar efetiva melhoria de vida para os habitantes da Vila.


De acordo com a Prefeitura, o local possui 16 mil m² de área, onde serão instaladas 350 unidades de moradia, cada uma com 18 m². A Vila Reencontro será implantada no bairro Bom Retiro, região central de São Paulo, conhecido atualmente como “bairro da moda”, importante polo de lojas e grifes nacionais e internacionais.

Nesse ponto, importante destacar que o bairro Bom Retiro tem uma história de acolhimento e recepção, vez que em 1880 o local abrigou uma grande colônia de italianos e portugueses. Posteriormente, em 1930, foi a vez dos judeus foragidos da perseguição nazista chegarem e serem pioneiros na venda em prestações, expandindo o comercio da região. Já a partir dos anos 1970, os coreanos assumiram o ramo das confecções e dominaram o bairro, contribuindo para o que é o Bom Retiro hoje .


Assim, o Bom Retiro retrata bem a história de São Paulo e do Brasil, sendo um lugar acolhedor, capaz de integrar povos e culturas diversas, construído “a duras penas” com muito trabalho e esforço.


Desta feita, o bairro é de fato um excelente local para a instalação da Vila Reencontro, haja vista a ótima localização (centro), a existência de espaço suficiente para a implantação do projeto e a capacidade de reintegrar as pessoas em situação de rua a oportunidades de emprego.


Ocorre que, a Vila Reencontro, apesar de todos seus benefícios, encontra barreira em uma importante situação no Bom Retiro: a insatisfação dos moradores do bairro.


Desde a divulgação do projeto, os residentes da região, em quantidade expressiva, demonstraram insatisfação com a implantação da Vila, criando inclusive um abaixo-assinado.


No documento, os moradores alegam que a instalação da Vila Reencontro “desvalorizará os imóveis da região, além de trazer problemas de ordem pública como insegurança, tráfico de drogas, baderna e conflitos”, conforme se vê abaixo:


Fonte: Folha de São Paulo


Em outras palavras: os moradores não querem o bairro Bom Retiro habitado por pessoas em situação de rua, vez que além de desvalorização financeira do local este passará a ter sérios problemas de ordem pública, exaltando mais uma vez, a estigmatização da pobreza no Brasil.


Esse tipo de fala e posicionamento tão comuns no país, reforçam cada vez mais o preconceito e a marginalização de quem já está segregado e sem acesso aos direitos básicos e fundamentais.


Afinal de contas, a desigualdade e a miséria são propósitos e até mesmo projetos para aqueles que almejam continuar concentrando a riqueza. Tirar pessoas da rua e agrega-las a um bairro central e tão influente como o Bom Retiro, mesmo que seja de modo temporário, assombra aqueles que mais lucram com a desigualdade social.


E a história do Brasil se concretizou exatamente assim: toda vez que um pobre se aproxima de dar um passo à frente, lhe colocam uma barreira logo em seguida, fazendo-o retornar 10 casa para trás, como em um jogo.


É impressionante como políticas públicas voltadas para a população mais pobre e miserável incomodam tanto nesse país, a ponto de pessoas desejarem e até mesmo se mobilizarem para que famílias continuem vivendo nas ruas, na miséria e em total vulnerabilidade, a fim de evitar desvalorização de imóveis e manter a “segurança”.

Conforme reportagem da Folha de São Paulo , uma empresária de 52 anos (não identificada) foi a escolhida para representar a demanda do abaixo-assinado. Ela se queixou da desvalorização de seu imóvel que era avaliado em R$600.00,00 (seiscentos mil reais). Ademais, uma modelista de 59 anos complementou realçando que em breve o local estará superlotado, pois “cada casinha pode estar morando até 20 pessoas dentro”.


Apesar disso, os moradores ressaltaram que o abaixo-assinado não possui um tom discriminatório, mas tão somente visa atender as demandas dos residentes do bairro.


Nesse sentido, mesmo diante da esdrúxula negativa das moradoras, evidente que a insatisfação com a instalação da Vila Reencontro se trata de um discurso preconceituoso e higienista, em que apenas não foi possível pontuar de modo explícito que o Bom Retiro se tornará um “amontoado de pobres”.


Parafraseando Jessier Quirino, são indiferentes para quem mora no conforto da Rua do Meio aqueles que moram no meio da rua.


Referências: Folha de São Paulo; Leis Municipais; PONCIANO, Levino. SENAC São Paulo: 450 bairros, 450 anos São Paulo. Editora, 2004, 362 páginas.


Instagram da Colunista Voluntária: @leh_luliane

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