Quando fui convidada a participar da ‘’Coluna Direitos da Mulher no Brasil’’ no Portal Futuro Livre, fiquei muito feliz, afinal, enquanto Advogada Criminalista uma das áreas em foco no Escritório, é justamente, auxiliar mulheres que de alguma forma estão sofrendo violência doméstica e precisam acionar o Estado, para que seja resguardando a sua integridade física, moral, psicológica, sexual ou patrimonial.
Na data de 08 de Março, comemora-se o Dia Internacional da Mulher e acredito fortemente, que não podemos enraizar e trazer a terceirização de conhecimento somente neste mês. É preciso diariamente, que o Estado promova políticas públicas contra a toda e qualquer forma de violência de gênero.
Em 2023, foi realizado a 10ª Edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, divulgada pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV) e os dados ilustram a importância de políticas públicas e que o Estado realize o mapeamento de dados.
A seguir, os principais resultados são:
1. ‘’A percepção de aumento da violência contra a mulher foi mais acentuada na região Centro-Oeste (79%), seguida pela região Nordeste (78%), depois Norte (74%), Sudeste (72%) e em último lugar a região Sul (66%).’’
2. ‘’O levantamento ainda mostra que 30% das mulheres do país já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homens’’.
3. ‘’O tipo de violência sofrida mais frequente é a psicológica (89%), seguida pela moral (77%). As entrevistadas responderam que a violência física também é recorrente (76%)’’.
4. ‘’A maioria das mulheres que respondeu ter sido vítima de violência tem entre 40 e 49 anos. Em todos os casos, as mulheres mais pobres são as mais vulneráveis.’’
5. ‘’A pesquisa também mostra que, para 73% das brasileiras, ter medo do agressor leva uma mulher na maioria das vezes a não denunciar a agressão.’’
6. ‘’A falta de punição e a dependência financeira são outras situações que, para 61% das brasileiras, levam uma mulher a não denunciar a agressão na maior parte dos casos’’.
Vivemos em uma sociedade que ainda possuem traços machistas, misóginos, comportamentos agressivos e ultrapassados, ferindo assim, a efetivação de direitos e garantias constitucionais, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, a autonomia e a liberdade.
Certamente, já ouvimos as seguintes frases: ‘’Eu trabalhava, mas era ele que mexia no meu dinheiro porque dizia que eu não tinha capacidade”. “Já quebrou dois celulares meus, quebrava minhas maquiagens e queimou meus shorts com isqueiro”. “Já estourou meu celular no chão e reteve meus bens (celular e carteira) para eu não sair”. “Misteriosamente minha carteira de trabalho, passaporte e chave do carro sumiram” ''Estava dormindo e acordei com ele encima de mim, praticando relação sexual''.
Essas frases são chocantes, mas infelizmente, retratam formas de Violência Doméstica. A sociedade vem avançando e concretizando direitos das Mulheres, mas, as atitudes enquanto seres humanos, precisam evoluir e contribuir para um ambiente acolhedor e seguro para as mulheres.
A frase do Marcelo Rissma que alega ‘’Quem não busca conhecimento, sempre será manipulado por alguém’’ retrata justamente a importância da mulher, pertencente ao século XXI, conhecer sobre os seus direitos e principalmente, compreender e buscar ajuda no momento em que se sentir vulnerável.
A Lei nº 11.340/2006 ficou conhecida como a Lei Maria da Penha e o seu objetivo é justamente que o Estado crie mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, pois ‘’toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social’’.
Quando analisamos a Lei nº 11.340/2006 logo de início, nos deparamos com as formas de Violência Doméstica. Em seu art. 7º dispõe que:
· A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
· A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
· A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
· A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
· A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Quando a mulher se deparar sendo vítima de qualquer violência de gênero, é importante buscar uma rede de apoio- seja familiar, grupo de amigos e também, o Judiciário, contendo uma equipe multidisciplinar que irá auxiliá-la da melhor maneira.
Em alguns locais do Brasil, já existem a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher. Se na cidade da vítima não possuir a Delegacia especializada, basta que a mulher procure a Delegacia mais próxima para receber atendimento e demais orientações.
Nos casos em que são decretados a Medida Protetiva, busca-se resguardar a integridade física, psicológica, moral, sexual e patrimonial da mulher, contribuindo assim, para que a mesma consiga se reestabelecer e viver de forma digna. O Juiz poderá aplicar ‘’afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; proibição de contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação entre outras.
Recentemente, houve uma alteração na Lei Maria da Penha e que atualmente, conforme art. 19, § 5º ‘’As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência’’.
O fato de não precisar de realizar o Boletim de Ocorrência para realizar o Pedido da Medida Protetiva, é um avanço no Direito das Mulheres, oportunidade esta que prevalece a necessidade de se respeitar a autonomia da mulher em situação de violência. Embora a mulher nesses casos esteja vulnerável e necessite de uma especial proteção por parte do Estado, não se pode retirar da mesma o poder de decidir.
Conforme art. 19, § 6º ‘’As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes’’. Ou seja, no Brasil não existe um tempo fixado para durar a Medida Protetiva. Será analisado cada caso em concreto e sua peculiaridade.
Se por ventura, o agressor descumprir a Medida Protetiva que foi decretada, o mesmo cometerá um crime e poderá ser preso com pena de detenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.
É de suma importância que a mulher compreenda todo o panorama processual que se encontra, principalmente se nesta relação a mesma possuir filhos com o agressor e eventual divórcio. Vale lembrar que o fato de ter uma Medida Protetiva deferida, não cessa o direito dos filhos no que tange a pensão alimentícia, nem tampouco, a perca do patrimônio construído ao longo da união.
Viver um relacionamento abusivo e ter forças para romper o ciclo de violência, requer coragem, amor consigo mesma e obsessão para ter uma vida digna. Que você leitora, consiga alcançar todos os seus objetivos e que acima de tudo, queira sempre o seu melhor e que não aceite jamais, violência como forma de amor ou cuidado. Afinal, amar é um ato leve e respeitoso.
***As opiniões e informações apresentadas pelo colunista não referem, necessariamente, o posicionamento do Portal Futuro Livre e são de responsabilidade de seu autor.
Sobre o Colunista:
Bruna Ferreira é Advogada Criminalista, Professora de Processo Penal e Especialista em Execução Penal pela Faculdade CERS. Atualmente é voluntária no Portal do Futuro Livre, participando da Coluna de Direito das Mulheres. É produtora de conteúdo jurídico nas redes sociais e Administradora do Perfil no Instagram @eagorabrunaa_
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